quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Requerimento

Caro Senhor Tempo:

Espero que esta o encontre passando bem, ou
melhor, passando o mais devagar possível.

Por aqui vai-se indo, como o Senhor quer e
consente, meio rápido demais para o meu gosto,
e quando vi já era dezembro.


Foi-se mais um ano.

E com ele foram-se uma quantidade incalculável
de amores, cores, idades, alguns amigos, não sei
quantos neurônios, memórias, remorsos, desvarios,
cabelos, ilusões, alegrias, tristezas, várias certezas
(se não me engano, treze), algumas verdades
indiscutíveis.

Foi-se o meu gosto por vitrine.

Foi-se quase todo o meu vidro de perfume.

Foi-se meu costume de imaginar asneiras à noite.

Foi-se meu forte instinto de acre­ditar no que me dizem.


Que pena!

Foi-se o tempo em que uma simples farra não
significava necessariamente uma condenação
sumária no dia subseqüente.

Foi-se a poupança.

O troquinho da gaveta.

Foi-se aquele antigo projeto.

Foram-se exatamente nove virgula seis por
cento de to­das as minhas esperanças.

Será que o Senhor não se cansa, seu Tempo?

Não pensa em tirar umas férias, dar uma pausa,
respirar um pouco? Não lhe agrada a idéia de
mudar o andamento? Diminuir o ritmo? Em vez
de tic-tac, inventar uma palavra mais comprida
para com­passo, mantra, ícone, diagrama?

Me diga sinceramente: para que tanta pressa?

Anda difícil acompanhar seus passos ultimamente.

Não precisa dar meia-volta, eu não espero tanto.
Eternidade? Não. Só queria sua amizade.

Mas já foi dezembro e o janeiro tambem, e já foi o carnaval.

Foi-se mais um ano, e já está indo outro.

E o Senhor passou voando, rebocou os meus
momentos, foi desbotando minhas lembranças,
carregou mais doze meses inteiros levando
cada instante meu de carona.

Tentei voltar atrás em algumas decisões.
Já era tarde.

Não deixei nada para amanhã. Mesmo assim
não fiz se­quer metade do que pretendia.
Imaginei várias maneiras de estancar os dias,
segunda, terça, quarta, quando via já era quinta.
Sexta. Sábado. Domingo. Pronto.

Pensei em fuga. Será que existe algum lugar
deste mundo onde as horas não me encontrem?
Fiquei meses trancado em casa. Foi inútil. Lá fora,
o Senhor continua passando.

E já passou mais um pouquinho.

Calma, Tempo! Espere só um minutinho para eu
explicar melhor meu ponto de vista.

Nem todo mundo é pedra, concorda? Dito isso,
imagine então quantos pobres mortais sofrem
da mesma agonia diária: giros e mais giros nos
ponteiros, os cantos dos cucos, as denúncias
das sombras, os grãos de areia escorrendo
(parece até hemorragia crônica), tudo
escapulindo, descendo, subindo, o frenesi dos
dígitos, um, dois, três, quatro, cinco, cem,
o Senhor vai tirar o pai da forca?
Está fugindo de alguém? De quem? De mim? De ontem?

Eu conheço de cor suas obrigações.

Estou convencido de suas utilidades.

Não fosse o Senhor, não existiriam saudade,
retrato, souvenir, antiguidade, história, época,
período, calendário, outrora, passatempo,
novidade, creme anti-rugas, disputa por pênaltis,
ante­passado, descendente, dia, noite, nada,
não existiria sabedoria, eu sei disso.

Não tome como queixas minhas palavras,
por favor não tome.

Aqui vai apenas uma súplica.

Ah, se o Senhor fosse mais indulgente, mais
piedoso, mais pensativo,
menos estressado, mais manso, menos rigoroso,
um bon-vivant, e se distraísse aí pelo caminho,
e se deixasse apreciar as paisagens, e sofresse
um devaneio, e ficasse de bobeira, esquecido
das horas, divagando.

Escute aqui, seu Tempo, que tal deixar passar
o resto e parar quieto um pouco?

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